Caves Murganheira
Nos corredores de uma gruta escavada no granito estagia um milhão de garrafas à espera de ver a luz do dia. Aqui, tudo está nas mãos de profissionais experientes, que cruzam a tecnologia de vanguarda com o conhecimento adquirido ao longo do tempo no tratamento da vinha, cuja origem estará, provavelmente, na sabedoria medieval dos Monges de Cister.
Acompanhe-me neste artigo e fique a conhecer as Caves Murganheira, ladeadas por duas aldeias históricas situadas numa das encostas do Vale do Varosa.
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Conteúdos deste artigo
- Salzedas – Aldeia histórica
- Caves Murganheira – Vinhos e Espumantes
- Ucanha – Aldeia histórica e vinhateira
- Outros locais de interesse
- Localização
- Informações Úteis
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Salzedas, aldeia histórica
Situada na margem direita do Rio Varosa, Salzedas dista cerca de 10 quilómetros da cidade de Tarouca, a sede do concelho. A freguesia é formada pelas povoações de Cortegada, Meixedo, Vila Pouca, Murganheira e a própria, Salzedas. É banhada pela ribeira com o mesmo nome e os primórdios desta freguesia assentam no mosteiro aqui construído no século XII, com o nome Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, atualmente integrado na rede de mosteiros do Vale do Varosa onde se inclui também o Mosteiro de São João de Tarouca, ambos construídos à ordem de Cister, tendo sido este ultimo o primeiro a ser construído à ordem de Cister em território Português.
A principal atividade em Salzedas é a agricultura, nomeadamente a produção de vinho e azeite, seguindo-se as culturas de subsistência. É uma zona com clima de extremos, onde as temperaturas no verão chegam a atingir os 40 graus, para descerem algumas vezes abaixo de zero durante o inverno, no entanto, os solos saibrentos (essencialmente graníticos) que constituem estas encostas, aliados ao clima que habitualmente faz ao longo do ano, fazem das encostas do Vale do Varosa uma zona com características que se destacam na produção do vinho, o que lhe valeu a designação VQPRD, (Vinho de Qualidade Produzido em Região Determinada).
O casario por aqui tem por base o granito, com muitas construções mais pobres à mistura, nomeadamente construções em taipa,(*) sendo algumas delas revestidas por pedra lousa, ou mesmo zinco canelado. Nas janelas destaca-se a madeira, com o aro das quadriculas pintado a branco e algumas a deslizar verticalmente, permitindo a abertura completa da metade inferior. A população atual, um pouco envelhecida, viu partir a juventude em busca de melhores condições de vida, restando apenas os idosos, e aqueles que nunca daqui saíram…(…)
(*) Paredes estruturais armadas em tabiques de madeira, ladeados por pequenas ripas pregadas aos tabiques (fazendo parecer as linhas de um caderno escolar), sendo posteriormente tudo preenchido e rebocado com argamassa de argila (barro).
A riqueza do património histórico deste vale encantado, aliado à beleza paisagística e à boa gastronomia, fazem desta uma região que dispensa atrativos de renome. A rota da estrada nacional mais afamada passa a poucos quilómetros, mas esta região tem outras valias. Pela rota do Vale do Varosa encontra povoações monumentais, joias da arquitetura romana, encostas vertiginosas, qualidade vinícola, praias fluviais, cascatas, miradouros, e uma gastronomia de fazer crescer água na boca.
A origem do nome Vale do Varosa vem do rio que o atravessa, é um rio acidentado, de leito rochoso e com várias zonas de difícil acesso, mas de águas cristalinas. Ao longo do seu percurso existem algumas praias fluviais, com boas infraestruturas, sem que para isso tenham sido feitas grandes transformações no seu leito. Em algumas foram usadas as represas já existentes, que serviam para represar a água e a encaminhar para levadas, para posteriormente irrigação das terras. Este é um rio onde as chuvas de inverno formam vários rápidos e, na redução do caudal, durante os meses mais quentes, é possível encontrar por aqui algumas cascatas com quedas de água não muito altas, mas de beleza ímpar, embora muitas delas quase inacessíveis.
Não é o caso da Cascata do Varosa, que se encontra situada entre a ponte rodoviária, a jusante, a fazer a ligação de Vila Pouca com Eira Queimada, e a ponte Romana a montante, onde outrora existiu um caminho pedonal, também utilizado por carros de bois, sendo ainda hoje bem visíveis as marcas cavadas nas pedras do tabuleiro da ponte, pelas rodas destes carros de tração animal que outrora a atravessavam.
O acesso a esta cascata não é difícil, ainda assim querer alguma agilidade. Pode deixar o carro estacionado nas proximidades da ponte e seguir pela levada que se encontra a direita do rio, no sentido ascendente. Caminhe um pouco pela margem…, uma centena de metros mais acima irá encontrar a cascata, podendo ser avistada um pouco antes.
Entre Salzedas e Vila Pouca encontra-se a localidade de Murganheira, de onde era natural Acácio da Fonseca Laranjo, o fundador das Caves Murganheira, onde são produzidos os vinhos de mesa e o vinho espumante com o mesmo nome, um dos ex-libris deste concelho.
Caves Murganheira – Vinhos e Espumantes
Num passado ainda recente, em vez de se dizer “tenho ali um terreno”, era comum dizer-se “tenho ali um casal”, principalmente quando o terreno em causa tinha alguma representatividade. Acredita-se que tenha sido essa a origem do nome Casal da Murganheira, que mais tarde passou a ser antecedido pela palavra Caves, passando a chamar-se Caves Casal da Murganheira, quando passou a existir neste mesmo terreno a produção vinícola.
Acácio da Fonseca Laranjo, até então dono da fábrica têxtil portuense A. Laranjo, apenas se envolveu na produção do espumante depois de ser incentivado por um amigo francês, que teceu grandes elogios aos vinhos produzidos por Laranjo. No entender desse amigo, os vinhos da região eram uma base excelente para essa finalidade. Com o acertar de decisões, veio de França um enólogo entendido na produção do champanhe que se manteve por cá aproximadamente uma década, dando todos os ensinamentos e orientações necessárias à sua produção.
“Um dia, numa viagem de negócios a França, levou algumas garrafas para dar a provar as seus clientes, e aí conheceu um enólogo da Moët & Chandon que o incentivou a produzir espumante. Assim se deram os primeiros passos de um caminho desde sempre pautado por altos padrões de qualidade, e seguindo os ensinamentos da região mãe dos vinhos espumantes, o Champagne.“
Créditos: evasões.pt
Terá sido por essa altura que foi aberta uma gruta na encosta, necessária para o processo de vinificação, onde a temperatura é constante ao longo de todo o ano, entre 12 e 13º, dotando estas caves de um método de vinificação específico e raro de encontrar, um verdadeiro ex-libris onde estagiam os vinhos espumantes da Murganheira.
Atualmente gerida por Orlando Lourenço, a sua ligação à Murganheira começou por acaso, quando era furriel comando em Angola e ajudou Acácio da Fonseca Laranjo, dono da fábrica têxtil portuense A. Laranjo e das Caves da Murganheira, a vender o espumante da casa para as Forças Armadas. Assim nasceu o sonho de Orlando Lourenço em ir trabalhar para a Murganheira e ter lá uma pequena quota, um sonho que Acácio Laranjo alimentava, mas teve de ser adiado pela ocupação das caves e da têxtil no 25 de abril de 1974.
“É por usar o método champanhês, com rigor e profissionalismo, numa região com excelentes condições climáticas e geológicas, que os espumantes produzidos por Orlando Lourenço não ficam nada a dever aos champanhes franceses correntes. «Em provas cegas, os Murganheira já batem os Moët & Chandon. Reconheço que há champanhes de elevadíssima qualidade, como o Krug, o Dom Pérignon ou o Cristal Roederer, mas, no geral, não temos nada a aprender com os franceses» “ , garante Pedro Dias Costa, gestor e sócio de Orlando na Sociedade Agrícola da Varosa.
Créditos: Compete 2020
Apesar das Caves Murganheira terem produção própria, ela é insuficiente face ao volume necessário atual, recorrendo por isso ao fornecimento de outros produtores vinícolas da região, cuja produção é acompanhada pelos enólogos e técnicos das Caves Murganheira. Atualmente 95% da produção é destinada ao champanhe, apenas 5% se destina ao vinho de mesa, no entanto, em tempos idos as Caves da Murganheira chegaram a produzir Aguardente Bagaceira, Brandy, e uma produção mais alargada de vinhos de mesa, com destaque para os brancos (segundo opinião do autor deste blog). Alguns desses vinhos foram outrora comercializados com o nome Abadia Velha, nome do local onde se encontram situadas as caves.
A qualidade dos solos das encostas do Varosa e do Távora são atualmente o berço dos vinhos e espumantes Murganheira, desde sempre associados aos mais altos padrões de qualidade. Aqui, onde o Douro e a Beira-Alta se tocam, reúnem-se excelentes condições climáticas e geológicas, propícias à génese dos mais intensos sabores e aromas, obtidos a partir das castas: Malvasia Fina, Gouveio Real, Cerceal, Chardonnay, Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz e Pinot Noir.
Se as Caves Murganheira tem a sua história, mais história tem um dos povoados que se encontra bem próximo, com um monumento único existente em Portugal conhecido por Torre e Ponte de Ucanha.
Ucanha – Aldeia histórica e vinhateira
Trata-se de uma ponte romana, suportada por quatro arcos, um dos quais relativamente pequeno e exclusivo para passagem da água de uma levada, sendo o arco central o de vão maior, vencendo a largura do leito do rio. Os apoios, ou se preferir os pés da ponte, que separam o arco maior dos restantes dois que o ladeiam, são os únicos a possuir reforço a montante por talhamares. Esta ponte, fortificada por uma torre associada erguida na margem direita, é hoje o maior ex-libris de Ucanha e um dos maiores deste concelho.
Estima-se que a sua construção tenha ocorrido no século VIII, e a torre no século XII, altura em que esta parcela do território se encontrava vinculada ao Couto do Mosteiro de Salzedas, servindo o conjunto deste monumento para controlo de pessoas e bens através do pagamento de portagens, num mundo feudal, onde a cobrança deste tipo de imposto constituía um rendimento adicional. Esta torre é de planta quadrangular com três pisos, dispondo de dispositivos militares nas quatro faces, concretamente balcões de matacães axiais ao nível do último andar, complementados por estreitas seteiras.
Ao longo do século XIV foram várias as tentativas para isentar grupos de moradores do pagamento de portagem, todas votadas ao insucesso por imposição dos monges do Mosteiro de Santa Maria de Salzedas. Só a partir de 1504 a portagem foi extinta e, por consequência, o monumento perdeu grande parte da sua função inicial. O tabuleiro continuou a ser o meio privilegiado de passagem na zona, mas a torre entrou em decadência, permanecendo apenas como armazém de produtos. Esta tendência degenerativa só foi invertida na década de 30 do século XX, altura em que se empreendeu o restauro do conjunto.
Créditos: valedovarosa.gov
Se a torre e ponte de Ucanha encantam, o mesmo acontece com esta aldeia vinhateira, que foi sede de freguesia até 2013, ano em que se anexou à freguesia de Gouviães, criando-se a União de Freguesias de Gouviães e Ucanha.
É uma aldeia constituída praticamente por uma única rua, outrora parte de um caminho medieval por onde circulavam pessoas vindas de Moimenta da Beira em direção a Lamego. Apesar de uma única rua, esta aldeia foi vila e sede de um concelho suprimido em 1836 por vontade do clero, da nobreza e do povo, uma situação invulgar tendo em conta a concordância entre todos.
A rua deste povoado, apesar de íngreme encanta pela sua beleza, quer a percorra de dia ou mesmo à noite. Visitar esta aldeia é fazer uma viagem no tempo para um passado ainda recente, como testemunham as varandas do seu casario, boa parte dele restaurado e colorido com cores vivas. Os beirados deixaram de suportar os cabos elétricos e os candeeiros de rua, que passou a ser iluminada por projetores fluorescentes embutidas no chão, na zona central.
Os moradores que por aqui vivem habituaram-se a conviver com a constante visita dos turistas que aqui se deslocam para conhecer este monumento único, a torre e ponte, não sendo raros os que acabam por se encantar mais pela rua, e com razões para isso, mas a sua inclinação íngreme desmotiva percorre-la.
Na margem esquerda do rio, a montante e paredes meias com a ponte, o moinho de água aqui existente moeu pela última vez à cerca de quatro décadas. Na mesma margem encontra-se o restaurante “Tasquinha do Matias”, com alguns pratos regionais, entre eles a Marrã à Abade de Salzedas, e os Milhos à Moleiro Henrique. A jusante, um edifício voltado para o rio, em tempos idos albergou um alambique e um lagar de azeite, que usava a água como força motriz para mover os seus equipamentos.
A uma centena de metros para montante do rio, a praia fluvial de Ucanha, com boas infraestruturas, completa o leque dos atrativos que pode encontrar nesta aldeia histórica e vinhateira.
Uma vez que sou natural desta zona, (embora na atualidade não vivo cá) grande parte das vezes que aqui me desloco almoço no restaurante “Bela Vista”, situado próximo da rotunda para a localidade de Dalvares, na EN226, ou se preferir na Avenida nova Dalvares. É um espaço que recomendo e com refeições muito em conta…
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Outros locais de interesse
Monteiro de S. João de Tarouca, o primeiro a ser construído em Portugal à ordem de Cister, situado a meia dúzia de quilómetros da aldeia vinhateira de Ucanha
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Praia fluvial de Mondim da Beira, situada junto a uma ponte romana, em Mondim da Beira, uma localidade que antecede S. João de Tarouca.
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Localização
Com as novas tecnologias torna-se ridículo estar a informar qual a melhor forma de chegar às Caves Murganheira. Ainda assim, para quem não faça uso do GPS recomendo apanhar a A24 e sair no nó de Lamego, de seguida apanha a EN226 em direção a sul e após o corte para Tarouca irá atravessar o Rio Varosa. Logo após a ponte segue para a esquerda, em direção a Salzedas, pelo caminho (à sua direita) irá encontrar as Caves Murganheira.
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Informações úteis
Para marcação de visita às Caves da Murganheira siga esta página: https://murganheira.com/contactos/ . A visita tem o custo de 5€ por adulto.
Informações relativas ao município de Tarouca: https://www.cm-tarouca.pt/pages/115
Se estiver a percorrer as zonas referenciadas no Passaporte D’Ouro, O mosteiro de Santa Maria de Salzedas e a Torre e Ponte de Ucanha são dois dos lugares do município de Tarouca para carimbar o passaporte.
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Bem Haja…