Visitar Oleiros

Situada a quarenta quilómetros para norte do Centro Geodésico de Portugal, Oleiros é uma vila cujos primórdios remontam ao século XII. Na atualidade sede de município, é sobrevivente dos tempos medievais e testemunho de um passado que importa reconstruir, e documentar…, lembrar os forais concedidos e os esforços colocados nas tentativas de restauro rebuscadas em velhos diplomas, que chegaram até ao rei D. Manuel I, também conhecido por rei Venturoso.

Jardim Municipal de Oleiros

Conteúdos deste artigo

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Ao ouvir pronunciar o nome Oleiros, facilmente fica a ideia que a sua origem estará na eventual atividade oleira que outrora terá existido por estas bandas, apesar da ausência de sinais comprovativos desse tipo de oficinas. Contudo, consta-se existirem nesta zona espécies de barro e greda argilosa em abundância indispensáveis à atividade oleira. Também se deve admitir a possibilidade, embora mais remota, que o nome terá descendência de Olheiros – olhos de água – nascentes, por esta ser uma zona onde existem nascentes em abundância…(?)

O território onde se encontra o concelho de Oleiros, pela sua morfologia nunca foi muito povoado, uma característica que se manteve até aos dias de hoje. As grandes serras da periferia, como a serra do Cabeço Rainha ou a Serra do Muradal, dificultavam a chegada a estas paragens, mas também serviram de proteção por altura das invasões.

Santa Margarida de Oleiros e seus Milagres

Apesar de tal proteção, na sequência das invasões francesas, ocorreu a passagem de tropas francesas pela vila de Oleiros. Com os soldados franceses, vieram também imensas munições e pólvora para municiamento de canhões e espingardas, que decidiram guardar nos locais mais seguros e de fácil vigilância, sendo a Capela de Santa Margarida um dos lugares escolhidos dada a sua situação altaneira.

Quando se retiraram, pegaram fogo à capela, que ainda continha alguns barris de pólvora dentro. Deu-se uma forte explosão, e a imagem de Santa Margarida foi projetada pelos ares, acabando por ser encontrada no lugar ainda hoje denominado como Horta da Santa, estranhamente intacta. O povo de Oleiros considerou ter sido um milagre.

Capela de Sta. Margarida – Oleiros

Este milagre sucedeu-se a um outro, que tem sido transmitido de geração em geração desde há séculos.

Em tempos, toda a região foi assolada por uma terrível praga de gafanhotos que nada poupavam. Em desespero, o povo começou a fazer romarias constantes à ermida de Santa Margarida, implorando ajuda para um combate que não conseguia vencer. Acredita-se que a santa os tenha atendido, uma vez que algum tempo depois começou a ver-se os gafanhotos a seguir em direção à ribeira, onde morreram todos, afogados. Em agradecimento, os seus habitantes decidiram celebrar todos os anos uma grandiosa festa em honra de Santa Margarida, o que têm cumprido fielmente até à data.

Grafiti fazendo referência a um dos milagres de Santa Margarida

Praia fluvial Açude Pinto

Um dia passei na periferia de Oleiros em busca de uma praia fluvial aqui existente com o nome Açude Pinto, a última de um roteiro que eu mesmo tracei e que até à data apenas conhecia por fotografias. Rendido ao lugar, logo decidi que cedo ou tarde iria voltar, esta era a melhor de todas as praias fluviais que visitara nesse dia. A qualidade das infraestruturas e a natureza envolvente apoiadas pelo parque de campismo mesmo ao lado, foram demasiado tentadoras.

Este é um daqueles lugares onde dá gosto vir mesmo sem grande tempo disponível. Além disso, no concelho de Oleiros pode encontrar: miradouros com impressionantes vistas; açudes; cascatas de água; praias fluviais; percursos pedestres; variedade arbórea e arbustiva; fauna diversa onde se destaca o rouxinol bravo, a galinha-de-água, o guarda-rios e a lontra…, e muitas outras cuja preferência do habitat são os ribeiros e linhas de água, com a qualidade do ar e composição arbórea típica destas zonas.

Atualmente caravanista, fiz uso dessa prática e num fim de semana prolongado desloquei-me até ao Camping Oleiros, onde me instalei. Uma vez instalado e até regressar, o tempo foi repartido entre a praia fluvial, a vila de Oleiros,… e o que foi possível conhecer por ali, sem me afastar muito destes dois lugares. Junto à ribeira os solos férteis dos campos de cultivo e, nas suas margens, o vasto arvoredo de sombra refrescante que fornece as condições ideais para fazer frente aos rigores do verão.

por D. João Maria Pereira d’Amaral e Pimentel in “Memórias da Villa de Oleiros e seu concelho” (1881)

Junto à praia fluvial, na zona inferior da ponte que atravessa a ribeira, ainda é bem visível parte da existência desse açude.

Ribeira de Oleiros e terrenos adjacentes

A jusante da praia fluvial, começa um percurso pedonal interpretativo sobre a Ribeira de Oleiros, criado recentemente, que ao longo de 2,5 km nos permite conhecer não só a atividade outrora existente na ribeira e suas margens, como também os terrenos adjacentes, que em tempos idos eram chamados de “Chãos da Ponte”. Eram terrenos destinados essencialmente à cultura de cereais, mas também pastagens, pomares e cultivo de videiras, nomeadamente a casta Callum, a qual será abordada mais adiante.

Outrora por aqui terão existido muitos castanheiros, havendo forte possibilidade de em tempos idos a castanha ter sido a base de sustento da população, razão pela qual a heráldica da vila de Oleiros ostenta um ramo com três ouriços de castanheiro.

Estes campos servem ainda de pasto ao gado, nomeadamente o caprino, a espécie pecuária com maior representatividade na região, de onde resulta a Chanfana e o Cabrito Estonado, este ultimo uma iguaria desta região, que tem levado a gastronomia de Oleiros a um patamar mais alto.

Representação simbólica do pastor e gado caprino

Muitos dos populares que ainda cultivam usam hoje eletrobombas para irrigar as terras, em substituição dos açudes que serviam para reter a água, para a elevar e desviar dos rios ou ribeiras, conduzindo-a por levadas até aos moinhos, ou terras de regadio que se situam a um nível mais baixo que a levada.


A Ribeira banha pelo lado sul as terras adjacentes à vila. É este sitio muito aprazível. Corre ela perene em todo o ano por entre árvores que, debruçadas em muitos sítios sobre as águas e movidas pelo vento, parecem querer beijá-las.”

por D. João Maria Pereira d’Amaral e Pimentel in “Memórias da Villa de Oleiros e do seu concelho” (1881)

Açude da Lameira (em abril de 2022)

Casta Callum

Na extremidade das terras, como forma de divisão das mesmas mas principalmente em proximidade com a ribeira, plantavam-se linhas de videiras da casta Callum, as quais eram empadas em toscos gradeamentos formados por paus de castanheiro e varas de pinheiro, aos quais também chamavam de “jangadas”. Esta é uma casta que devido ao clima húmido onde se encontra plantada, nem sempre amadurece na totalidade.

Calluas junto à Ribeira de Oleiros

A origem do nome “Callum” é desconhecida, possivelmente provém do latim…(?), que traduzido à letra significa “Calo (dureza?)”, existindo uma possível relação com a dureza da casca. Segundo a história, existem referências que apontam para o século XVI como data de início da produção desta casta, pela mão da Ordem de Malta, que à data se encontrava sediada na vila do Crato.

Para melhor conhecermos esta casta é necessário recuarmos até à década de 1860 quando Portugal, e a Europa, foram invadidos por aquela que viria a ser a praga mais devastadora da vinha, a Filoxera, acabando por originar uma profunda crise na produção do vinho…, uma praga que ao longo de quase meio século arrasou a indústria vinícola e levou produtores à falência.

Casta Callum – Percurso interpretativo da Ribeira de Oleiros

Uma vez que a videira pega por estaca (1), até essa data a vinha era plantada em “pé-franco”, forma de dizer que era plantada diretamente no solo e sem recurso ao porta-enxerto, vulgarmente chamado de americano por ser de lá a sua origem. Não era de excluir a plantação em viveiro, principalmente quando o subsolo onde se pretendia nova videira não tinha consistência adequada (terras xistosas e cascalhentas), transplantando posteriormente os bacelos para esse local definitivo.

Tendo em conta a Filoxera atacar a raiz e após algumas tentativas falhadas de extermínio desta praga, foram efetuados testes de enxertia em plantas da mesma espécie, com características mais “arbustivas”(2) e cuja raiz fosse resistente à Filoxera, passando posteriormente a ser uma videira normal cuja casta foi selecionada pelo garfo com que foi enxertada. A solução veio da América, de onde se acredita tenha vindo também esta praga e onde já existiam algumas espécies de videira tipo “arbustivas”, capazes de resistir à Filoxera.

Apesar de já existir em Portugal antes da Filoxera, acredita-se que a casta Callum seja uma dessas espécies, “arbustiva”, pela capacidade de resistir a esta praga, embora também se saiba que as terras húmidas onde proliferam as Calluas(3), tenham contribuído para impedir o desenvolvimento da Filoxera. Uma das principais diferenças desta espécie “arbustiva” face ás restantes é a sua capacidade de produção, independente de ser ou não enxertada. Nas restantes espécies “arbustivas” vulgarmente chamadas de americano, que vieram para Portugal após a Filoxera, não lhes é conhecida qualquer produção sem enxertia, com exceção da uva morangueira, (Isabelle).

1 – Termo usado na agricultura quando se trata de uma plantação em que se corta uma haste da árvore mãe, e se espeta na terra para dali se formar nova árvore.

2 – Que me desculpem os entendidos na vinha pelo termo usado, em minha opinião é o termo mais esclarecedor sobre o tipo de planta em causa.

3 – Nome das cepas/videiras que produzem o vinho Callum

Uva morangueira

Pelas suas caraterísticas de adaptação, ainda alvo de estudo, a casta Callum é uma casta que se dá melhor em terras e climas húmidos, nomeadamente zonas próximas dos rios e ribeiras, sendo essas as zonas em Oleiros onde se pode encontrar com mais facilidade. Face a essa característica, o cultivo desta casta nestas zonas requer alguma elevação, tentando com isso maior exposição solar, e por conseguinte melhor qualidade vinícola deste vinho exclusivo.

À data atual a produção deste vinho ainda é diminuta. A quantidade produzida ainda não permite que chegue às prateleiras dos hipermercados ou das lojas de comércio tradicional. À data atual, outubro de 2022, a casta Callum também ainda não se encontrava registada na lista de castas no IVV (Instituto da Vinha e do Vinho), podendo ainda levar algum tempo se tivermos em conta as burocracias Portuguesas habituais. No entanto já se encontra registado no INPI, desde maio de 2016, a marca Callum, tendo como titulares o Município de Oleiros. (INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial)

Este é um vinho único, que deve ser apreciado como algo exclusivo e único, de preferência num espaço rural (numa adega de xisto, por ex.), ou acompanhado por algo também exclusivo e único, como é o caso do Cabrito Estonado.

Créditos desta foto – Artelier

Cabrito Estonado de Oleiros

O consumo do cabrito fazia parte da ementa das festividades anuais da aldeia, como são o caso da Páscoa, festas do padroeiro/a, e outras celebrações litúrgicas. Consumido ao longo do ano, quando assado no forno ganhava destaque na mesa. Por quase toda a região centro e norte de Portugal há inúmeras formas de o confecionar. Em Oleiros, existe uma forma diferente e original de confeção do cabrito que lhe dá um paladar único, que tem como nome Cabrito Estonado.

Entende-se por “estonar” o processo de tirar à tona, recorrendo ao calor como contributo, ou ajuda. Tendo em conta as minhas origens, era usual la na aldeia dizer-se por exemplo: “Vou estonar o cabo para uma enxada”. Após cortado e ainda verde, passava-se pelo calor para facilitar o tirar da casca. No caso do Cabrito Estonado o processo é semelhante, em vez de esfolado (tirar a pele), é mergulhado em água quente para facilitar o retirar do pelo, sendo posteriormente assado como se fosse um leitão, é Estonado.

A juntar ao processo de confeção desta iguaria existe a preparação do cabrito antes de ir ao forno, mas o melhor mesmo é consultar a receita.

Receita do Cabrito Estonado (faça zoom para melhor visualização)

Além do Cabrito Estonado, em Oleiros existem outros pratos que merecem igual destaque, como por exemplo a Chanfana. Para os degustar, o melhor mesmo são os pequenos restaurantes no centro da vila, onde se dispensa o luxo em prol do bem servir e da proximidade com as gentes locais. Acrescentar ainda que num mundo onde a cada dia que passa se vive mais à base de luxos, de shoppings e hipermercados, urge que se use e se valorize o comércio tradicional, sob risco de fechar se não o fizermos.

Dicas para visitar Oleiros

Comece com o café da manhã no jardim municipal mesmo no centro da vila, de seguida dirija-se ao posto de turismo onde pode obter as informações adequadas de acordo com os seus objetivos de visita. É bem possível que encontre alguma exposição de artesanato neste espaço, que se afirma revelador de uma aposta na dinamização do turismo no concelho.

Percorra as ruas do centro da vila e veja os inúmeros grafitis nas portas alusivos à cultura da região. Suba à zona mais alta da vila e visite a Igreja Matriz, linda e bem conservada, onde se destacam os altares em talha dourada, as pinturas do teto e os pilares em xisto.

Solar dos Viscondes de Oleiros

Pelo lado exterior, nas traseiras da igreja veja o grafiti de N. Sra. da Conceição, um trabalho digno de admirar. Regresse ao centro, detenha-se um pouco frente à capela do Espírito Santo de onde pode ver grande parte do centro da vila, os Paços do Concelho e a requalificação, bem sucedida, do espaço onde atualmente se encontra o gabinete de turismo, e o pavilhão multiusos. Veja que na requalificação deste espaço, a possibilidade do nome “Oleiros” advir de “Olheiros – Olhos d’água” não foi deixada ao acaso. Ainda que o motivo tenha sido outro, para o leitor atento é difícil não fazer essa ligação.

Exposição de trabalhos em Azulejo Alicatado
“Bordado” de Castelo Branco em Azulejo Alicatado

Suba ao santuário do Cristo Rei, local de onde pode obter uma ampla visão sobre Oleiros e o seu vale. Por fim, se estiver instalado no parque de campismo, como foi o meu caso, atravesse a ribeira de Oleiros na ponte grande, junto ao hotel, e no caminho de volta percorra o as margens da ribeira pelo percurso interpretativo criado recentemente, que o levará à praia fluvial Açude Pinto e ao parque de campismo.

“Muitos rouxinóis e outras aves, atraídos pela frescura e amenidade do sitio, celebram ali dia e noite com seus cânticos estes belos quadros da natureza, fazendo-lhes o murmúrio da corrente harmonioso acompanhamento”

por D. João Maria Pereira d’Amaral e Pimentel in “Memórias da Villa de Oleiros e do seu concelho” (1881)

Percurso da ribeira de Oleiros

Praia Fluvial

Na praia fluvial, neste exemplar aproveitamento da Ribeira de Oleiros e suas margens, tem ao seu dispor todas as infraestruturas necessárias para que o visitante possa usufruir de uns maravilhosos dias de veraneio. Desde espaços com sombra refrescante, relva, zona de solário, zona de banhos para miúdos e graúdos, parque infantil, bar com serviço de refeições rápidas, parque de merendas, explanada, … uma praia que convida o visitante a usufruir de todos os espaços envolventes.

Parque de Campismo de Oleiros

Paredes meias com a praia fluvial, o parque de campismo dispões de todas as infraestruturas necessárias à prática do campismo e caravanismo com exceção da piscina, ausência não notada dada a praia fluvial mesmo ao lado. Apenas peca pela ausência de pelo menos um funcionário à noite, para qualquer eventualidade.

Localização

Vindo do litoral norte ou sul, a melhor forma de chegar a Oleiros é vir em direção a Pombal pelo IC2, ou se preferir a N1, e aí apanhar o IC8 em direção a Castelo Branco. Quando chegar a Sertã segue para norte pela N238 até Oleiros. Se vier da zona raiana apanha a N3 e de seguida o IC8 com direção a Pombal. Na Sertã faz o mesmo, apanha a N238.

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Outros fotos e locais

Igreja matriz do Estreito, uma obra de características únicas na região. A fachada principal exterior é encimada por pinturas que retratam celebrações cristãs, a vida da aldeia e as atividades do quotidiano das suas gentes.

Passadiços do Orvalho e seu miradouro, percurso que passa na cascata da fraga de água d’alte.

Medronheiro em flor, uma das principais fontes de recolha de mel pelas abelhas na zona de Oleiros

Travessia da Ribeira de Oleiros, ponte centenária construída em Xisto, denominada por Ponte Grande, composta por quatro arcos de volta imperfeita.

Açude da Lameira – Abril de 2022

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