da Oliveira ao Azeite

"De verde foi meu nascimento,
mas de luto me vesti.
Para dar a luz ao mundo,
mil tormentos padeci."

O azeite, precioso liquido de cor dourada e cintilante, é o óleo vegetal extraído da azeitona, (o fruto da oliveira) sendo na atualidade um tempero culinário indispensável que confere à cozinha tradicional um sabor singular e intenso. Embora seja na cozinha tradicional que este ingrediente se destaca, a utilização do azeite vai além das inúmeras aplicações culinárias.

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Conteúdos de artigo

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História

A sua existência remonta aos tempos primitivos no extremo oriental do mar mediterrâneo, principalmente na Ásia Menor, Síria e Palestina, antes ainda do aparecimento do homem. Face a vestígios fossilizados do tempo do paleolítico e neolítico, acredita-se que tenha existido também por toda a bacia do mar mediterrâneo.

Apesar de ser um tema distinto do tema deste blog, a apanha da azeitona é uma tarefa vivenciada por mim todos os anos. Acreditando ser de interesse geral, entendi partilhar um pouco desta experiência.

Ao longo da sua existência foram várias as utilidades que lhe foram atribuídas pelos diversos povos, entre eles os Gregos, Hebreus, Fenícios, … e outros povos do médio oriente, tendo sido um produto de grande importância no comércio da altura. A propagação do cultivo do azeite pelas várias regiões do mediterrâneo ocorreu pela mão dos Fenícios, mas terão sido os Gregos e os Romanos que melhor proveito souberam tirar dele, não só na culinária mas também como medicamento, unguento, perfume, combustível para iluminação, lubrificante de alfaias e mecanismos, e até impermeabilizante de tecidos. O azeite é mencionado em quase todas as religiões da antiguidade, com mitos e lendas pelo meio, e a oliveira era considerada símbolo de sabedoria, abundância, paz e glória para os povos.

Variedade desconhecida. Na aldeia existe apenas uma única oliveira que produz azeitona desta dimensão.

A palavra azeite deriva do idioma árabe: – easir alzaytun – tradução de “suco da azeitona”, havendo também quem ainda hoje o denomine de “ouro líquido”, designação que lhe foi atribuída por Homero, poeta da Grécia Antiga.

Efemérides…

-A partir do século VII a. c. o azeite começou a ser investigado por filósofos e médicos da época, pelas suas propriedades benéficas para o ser humano.

-Antes de ser preso e posteriormente crucificado, Jesus Cristo passou momentos de agonia no jardim das oliveiras situado nos arredores da Jerusalém antiga.

-Na religião cristã o azeite é utilizado como símbolo da presença do Espírito Santo. Ainda hoje na quinta-feira santa, a Igreja Católica consagra os Santos Óleos, que são usados pelos sacerdotes ao longo do ano em rituais litúrgicos e sacramentais, como o batismo, o crisma, ou a ordenação sacerdotal, entre outros…

-Em 1974 Yasser Arafat, líder Palestiniano, discursou pela primeira vez na ONU pedindo libertação e reconhecimento do seu povo. Na introdução de um discurso muito aplaudido pede que não deixem cair o ramo de oliveira que leva numa das mãos: -” Não deixem que o ramo de oliveira caia da minha mão! ” (na outra mão “levava a arma” de combatente da liberdade).

-Uma pomba branca com um pequeno ramo de oliveira no bico ainda hoje é considerada o símbolo da paz.

Manhãs geladas na beira-alta

O azeite em Portugal

Em Portugal a referência à oliveira é muito antiga e o azeite foi um dos primeiros produtos na lista das exportações Portuguesas. Nas leis de proteção à agricultura o código visigótico atribuía multa de 5 soldos a quem arrancasse uma oliveira que não fosse propriedade sua, quando por outra árvore qualquer pagava multa inferior.

Em meados do século XVI o consumo do azeite sofreu um grande aumento por ter começado a ser utilizado com frequência na iluminação. Por esta altura, alem de vendido dentro do reino o azeite era também exportado para países do norte da Europa e alguns da Ultramar.

No século XIX, apesar dos processos de produção em Portugal continuarem rudimentares, o azeite português foi premiado na exposição de Paris de 1889, que ocorreu entre 6 de maio e 31 de outubro daquele ano. A torre Eiffel, que servia de entrada para a exposição, foi construída especialmente para esse evento.

Tesoura de poda alta ou foice-tesoura, usada para cortes pouco acessíveis

À data da adesão de Portugal à CEE, a área de olival Portuguesa rondava os 340 mil hectares espalhados por todo o País, com aproximadamente 40% dessa área concentrada no Alentejo, seguindo-se Trás-os-Montes, Beira Interior, Ribatejo e Oeste. À data, a cultura do olival era mais tradicional e por isso menos competitiva, principalmente devido à ausência de mecanização, tanto no cultivo como na colheita, que era feita com base em processos manuais.

Até essa data os registos de produção eram escassos e pouco fiáveis, de uns anos para os outros denotavam-se grandes oscilações na produção. Nos últimos anos a produção de azeite em Portugal tem vindo a aumentar, muito por conta dos incentivos económicos à plantação de olival, com o Alentejo a manter-se na liderança agora também na área de novas plantações, principalmente na cultura intensiva. No ranking dos maiores produtores mundiais, na atualidade Portugal ocupa o oitavo lugar de uma lista liderada pelo país vizinho – Espanha, ficando a Itália em segundo lugar com metade da produção do país líder.

(informação baseada no valor médio de cada país entre 1993 e 2014).

Amanho – limpeza do olival com moto-roçadora

As preferências do consumidor

Português que é genuíno, gosta de uma boa posta de bacalhau assado bem regada com azeite.

De um modo geral o consumidor seleciona o azeite que pretende consumir pelo grau de acidez, sendo possível encontrar-se com percentagem bastante baixa nas prateleiras dos hipermercados. O azeite de produção própria, ou caseiro, se preferir, costuma apresentar valores de acidez mais elevados, normalmente entre os 0,5 e os 3%, com as diferenças respetivas no paladar. Diz quem o cultiva que abaixo de 0,5% de acidez já é mais óleo que azeite. O paladar do azeite também pode ser influenciado pelo clima da região onde é cultivado, pela variedade da azeitona, pela maturidade, mas acima de tudo pelo tratamento e armazenamento dado à azeitona após a colheita. Na aldeia onde foi recolhida grande parte da informação para este artigo existem duas formas de a conservar:

Azeitona de curtimenta – Armazenada com algum sal à mistura para melhor conservação, para evitar fermentação, bolor, hidrolise da gordura, ou apodrecimento.

Azeitona de água – Armazenada em tanque ou local semelhante, lagar do vinho, por ex., e submersa em água. Mantida assim pelo menos 4 semanas e a água mudada a cada 8 dias.

Azeitona submersa em água, até seguir para o lagar

No primeiro caso origina azeite mais cintilante, sabor mais intenso mas de acidez mais elevada. No segundo caso obtém-se azeite de sabor mais macio e acidez mais baixa, mas raramente abaixo dos 0,5% anteriormente mencionados.

Os azeites da Beira Alta, atualmente com Denominação de Origem Protegida, obtêm-se sobretudo a partir das variedades Cornicabra, Negrinha, Galega, Carrasquenha, Madural e Cobrançosa.


Do cultivo ao Azeite


A Oliveira

A oliveira é uma árvore de crescimento lento e grande durabilidade. A sua plantação (método convencional) consiste em arrancar um rebento do tronco na zona junto à terra, com um pouco de velho, ou casca mãe, (um pouco de casca e madeira desse mesmo tronco), e posteriormente planta-lo em local definitivo, podendo também ser plantado em local provisório e transplantado após ganhar raiz consistente. Em termos agrícolas este rebento costuma chamar-se de “ladrão”. Após a plantação em local definitivo são necessários alguns anos até que a oliveira comece a produzir azeitona. Para melhor cultivo do olival através de maquinaria e permitir a apanha da azeitona segundo métodos modernos, as primeiras podas consistem em “educar” a oliveira no sentido de facilitar essas tarefas, nomeadamente a apanha da azeitona através de maquinaria pesada – vibradores de tronco.

A poda das Oliveiras

Pela beira-alta, de onde sou natural, na poda das oliveiras (após adultas) eram utilizadas as seguintes ferramentas: Tesoura de poda, serrote de mão e duas podoas, com a abertura para encaixe dos cabos oposta uma em relação à outra. Essas duas podoas tinham como principal função cortar os ramos localizados em lugar onde o podador não conseguia chegar. Ambas operavam em conjunto, uma puxava o ramo para baixo, a outra empurrava para cima, indo uma de encontro à outra tal como se de uma tesoura se tratasse. Posteriormente este tipo de ferramenta foi substituída por uma outra mais simples, conhecida por foice-tesoura, cortando o ramo exatamente do mesmo jeito que uma tesoura de poda, apenas variando em relação a esta na forma.

Diversos tipos de poda

De entre os diversos tipos de poda que se pode fazer nas oliveiras, uma das preferenciais consiste em permitir o melhor amadurecimento da azeitona, sendo a poda em forma de vaso a mais usual uma vez que consiste em criar uma abertura na copa da oliveira e com isso permitir melhor entrada do sol. Ao ler este parágrafo o leitor/a ficará certamente curioso uma vez que já viu presencialmente, ou através de fotografias, a apanha da azeitona no Alentejo, onde à data da colheita boa parte dela ainda se encontra verde. Convenhamos que estamos a falar de zonas com tradições distintas na produção de azeite, e no clima. Aqui na beira-alta é comum dizer-se o seguinte provérbio:

“-Quem apanha a azeitona antes do Natal, deixa o azeite no olival.”

Por norma este ditado é seguido à risca com algumas exceções: -quando o clima ao longo do ano contribuiu para o amadurecimento antecipado da azeitona; -quando a geada se antecipou a queimar o pé da azeitona originando a queda;… e quando se prevê chuva forte e vento, clima ao qual os produtores tentam antecipar-se. Em regra geral, nesta zona nunca se faz a colheita da azeitona sem que ela esteja completamente madura, de preferência com a pele a ficar um pouco frisada pelo frio invernoso habitual nesta época e em particular nesta região.

A Colheita

O método mais usado para apanha da azeitona nesta região ainda é convencional, é conhecido por “vareja” e para tal são usadas varas de castanheiro ou eucalipto, com as quais se vergastam os ramos da oliveira, fazendo cair as azeitonas para um toldo colocado previamente no solo sob a área de toda a ramagem da oliveira.

Primeira limpeza da azeitona no olival

Posteriormente o toldo é erguido, encaminhando a azeitona juntamente com a folhagem para uma borda, altura em que se procede à primeira limpeza separando manualmente a folhagem mais volumosa. De seguida a azeitona é ensacada, ou colocada noutro tipo de vasilhame que permita o transporte seguro até ao local onde será efetuada a separação total da folhagem, musgos e líquens que possa conter resultantes da vareja da oliveira. Uma vez limpa é colocada no local onde vai repousar, até que chegue a hora de ir para o lagar de azeite onde finalmente lhe será extraído o precioso líquido.

Criva especifica para limpeza da azeitona

Extração do Azeite – O Lagar

Em traços gerais, no lagar de azeite o processo mais antigo consistia na moagem da azeitona através de duas generosas mós em granito, que giravam em cima de uma outra colocada na horizontal. A massa daí resultante era colocada numa prensa, intercalada com capachos circulares em corda plástica com aproximadamente um metro de diâmetro, mantidos alinhados ao centro por um tubo circular metálico. O líquido resultante desta prensagem era posteriormente filtrado pelo processo de centrifugação.

Na atualidade este lagar conta com mecanização mais moderna. Uma máquina de dimensões mais reduzidas que as antigas mós efetua a moagem da azeitona e a massa é de seguida encaminhada para uma caixa térmica, que a mantém quente e em movimento.

Centrifugadora. Ao fundo as caixas térmicas para onde vai a massa após moagem.

Posteriormente segue para um centrifugador que lhe extrai o líquido a ser filtrado, num processo semelhante à centrifugação de uma máquina de lavar roupa. Em ambos os casos o líquido resultante apresenta cor castanho esverdeado. O processo de filtragem final mantém-se inalterado. O azeite é depois vazado para vasilhame adequado para alimentação, que apenas será fechado após o azeite arrefecer por completo. As vasilhas devem ser de preferência opacas e o azeite deve ser conservado em local fresco, seco e com ausência de luz excessiva. É natural que o frio o faça diminuir de volume, podendo encontrar a vasilha encolhida nos dias mais frios, se esta for de plástico.

Lagar de azeite – Filtro

Operário Fabril no ramo da metalurgia. Apaixonado pela natureza, pelas diversas culturas e por conhecer lugares novos.

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Bem Haja…