
Sexta-Feira 13 – Montalegre
Tudo começou com a vontade do padre Fontes em conhecer o mundo, que descendente de uma família pobre e numerosa, decidiu entrar para o seminário por vontade própria, vendo no sacerdócio a possibilidade de realizar o seu sonho. Nas férias, quando regressava a casa, sentava-se na cozinha a ouvir as histórias que a mãe lhe contava, onde nelas se incluíam ladainhas para curar todos os males, misturas de ervas para tratar enfermidades, responsos para afastar os demónios,…(…), segundo conta, ela fazia-o para que ele aprendesse a proteger-se. Só mais tarde perceberia o tesouro que tinha nas mãos. Nos apontamentos que datam de 1950, quando tinha 10 anos, há orações para afastar bruxas, outras para desviar alcateias, mezinhas para curar dores de garganta, azares sucessivos e até dias de solidão.

António Lourenço Fontes, um padre e homem de fé que goza com diabo, tornou-se figura nacional quando em 1982 organizou o primeiro Congresso de Medicina Popular em Vilar de Perdizes, convocando para o centro da aldeia todo o tipo de bruxos, cartomantes, videntes e até mesmo leitores de mãos. A ousadia fê-lo entrar em guerra com o bispo de Vila Real, que acusou aquilo de ser um atentado à Igreja, mas Fontes manteve-se firme. -“Isto são as crenças do meu povo. Negar as nossas tradições, o nosso paganismo, seria minorar uma cultura riquíssima, que se está a perder”.


Pela frontalidade com que levou os seus ideais avante, chamaram-no de rebelde e ele não o nega. Contrariou as leis da Igreja com as quais não concordava, pesquisou o oculto para entender a crendice, porque segundo ele, só conseguindo entendê-la conseguiria destruí-la, mas a defesa dos seus ideais teve um preço, “esconderem-no” numa aldeia isolada do Alto Barroso. António Lourenço Fontes acabou por fazer do “fim do mundo” o seu centro ao colocar a região no mapa. Começou por ser padre em Tourém, a aldeia mais isolada de Montalegre e uma das mais isoladas do país, mas também a mais autêntica do município. Mais tarde acabou por ser transferido para Vilar de Perdizes.

O padre Fontes, que há muito é um ícone nas terras do Barroso, conhece bem a terra e a região que habita, a sua história, os seus usos e costumes, as suas tradições, virtudes e defeitos. Conotado com a bruxaria, que não pratica, acredita nos efeitos da medicina popular e é o homem das Sextas-Feiras 13 em Montalegre, e dos Congressos da Medicina Popular em Vilar de Perdizes. A Sexta-feira 13 tem as suas raízes no Congresso de Medicina Popular, evento que o padre Fontes liderou e no qual foram recuperadas e valorizadas diversas tradições e crenças populares.

Considerada por muitos como dia de azar, a Sexta-feira 13 é celebrada na vila de Montalegre desde 2002. Neste dia esgota-se o alojamento e os restaurantes da região, e as ruas da vila enchem de gente que vêm de longe para assistir a um espetáculo onde desfilam artistas mascarados de bruxas e bruxos, demónios, seres do além, duendes, animadores musicais, e onde em cada canto não falta musica, tascas para petiscar e beber durante o evento, “mesmo com o frio transmontano a morder os ossos”.



A festa combina elementos como bruxas, feitiços, teatro, queimada e acima de tudo música, criando uma atmosfera mística e festiva única no país. O ponto alto é o responso da queimada, anteriormente proferido pelo padre Fontes junto ao castelo, onde um texto do tempo em que português e galego eram uma única língua, que ele descobriu numa aldeia espanhola próxima da fronteira, em Randim, diz o seguinte:
“Vade retro Satanás, prás pedras cagadeiras. Lume de cadáveres ardentes, mutilados dos corpos indecentes, peidos de infernais cus. Forças do ar, terra, mar e lume, a vós requero esta chamada. Se é verdade que tendes mais poder que as humanas gentes, fazei que os espíritos ausentes compareçam a esta queimada.”


Consta-se ter sido escrito por Mariano Marcos Abalo em 1967 e o mesmo revisou-o em 1974. Na atualidade, pelo menos na Sexta-feira – 13 que assistimos até ao fim (13 de Junho de 2025), nada disto foi proferido em palco, e o espetáculo deixou muito a desejar, o que lamentamos. Além de não conseguirmos perceber patavina do que foi representado, não vimos em palco nada que fosse alusivo à Sexta-feira 13, diria até que aquilo de espetáculo teve muito pouco.

De ressalvar ter sido possível ver ao vivo o padre António Lourenço Fontes, com os seus 85 anos e com as limitações que a idade e a saúde impõem. Quando lhe foi permitido dizer algumas palavras, notou-se a voz um pouco embargada pela felicidade que sentiu ao ver tanta gente que se deslocou à vila de Montalegre para assistir a mais uma Sexta-feira 13. Por fim, o fogo de artifício lançado a partir do castelo salvou um pouco o que de tão fraco foi representado em palco.

O Esconjuro
“Mochos, corujas, sapos e bruxas.
Demônios, trasgos e diabos,
espíritos das enevoadas veigas.
Corvos, píntigas e meigas:
feitiços das mezinheiras.
Podres canhotas furadas,
lar dos vermes e alimárias.
Fogo das Santas Companhas,
mau-olhado, negros feitiços,
cheiro dos mortos, trovões e raios.
Uivar do cão, pregão da morte;
focinho do sátiro e pé do coelho.
Pecadora língua da má mulher
casada com um homem velho.
Averno de Satã e Belzebu,
fogo dos cadáveres ardentes,
corpos mutilados dos indecentes,
peidos dos infernais cus,
mugido do mar embravecido.
Barriga inútil da mulher solteira,
falar dos gatos que andam à janeira,
guedelha porca da cabra mal parida.
Com este fole levantarei
as chamas deste fogo
que assemelha o do Inferno,
e fugirão as bruxas
a cavalo das suas vassoiras,
indo se banhar na praia
das areias gordas.
Ouvi, ouvi! os rugidos
que dão as que não podem
deixar de se queimar na aguardente
ficando assim purificadas.
E quando esta beberagem
baixe pelas nossas goelas,
ficaremos livres dos males
da nossa alma e de feitiço todo.
Forças do ar, terra, mar e fogo,
a vós faço esta chamada:
se é verdade que tendes mais poder
que a humanas pessoas,
aqui e agora, fazei que os espíritos
dos amigos que estão fora,
participem connosco desta Queimada.“
…mas nada disto foi proferido em palco na hora da Grande Queimada.

Este é um evento único em Portugal. O esconjuro é frequentemente associado a rituais e celebrações que envolvem a queimada, uma bebida flamejante feita com aguardente, açúcar, casca de limão e grãos de café, entre outros ingredientes. O esconjuro é recitado durante a preparação da queimada para afastar os maus espíritos e garantir boa sorte.


Fonte de uma parte desta informação: Diário de Notícias, 13 de Julho de 2018
Ficou-nos na memória uma frase do Sr. que apregoava a venda daqueles objetos luminosos que a maioria das pessoas usava à noite na cabeça: “Dois par de cornos – 5 Euros!”


Localização e como chegar
A partir da cidade do Porto siga por autoestrada até braga e de lá pela estrada nacional 103 até Montalegre. Se for pelo centro do país recomendo a Autoestrada A24 até chaves. Uma vez lá, segue igualmente pela estrada nacional 103.
Ver mapa maior
Outros locais de visita nas proximidades
Quando vier a Montalegre pode aproveitar para visitar uma parte do Gerês, Vilar de Perdizes (onde tudo começou), dar a volta completa à barragem do Alto Rabagão, são pouco mais de vinte quilómetros que vale a pena percorrer. Se ainda tiver algum tempo disponível visite a cidade Aquae Flaviae – Chaves, chegando até ela pela estrada nacional 103, uma das estradas icónicas de Portugal.
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Onde ficar alojado/a
Como somos caravanistas, fizemos uso dessa forma de turismo e ficamos instalados do parque de campismo de Penedones, com excelentes condições, encostado à barragem do Alto Rabagão e com vistas maravilhosas sobre aquele grande espelho de água.

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